9/22/2019

Evolução da espécie

Maurício de Macedo

O homem maltrata
o homem.
O homem enlouquece
o homem.

O único animal
que sabe maltratar
e enlouquecer
o outro.

O suicida

Maurício de Macedo

Carregava sua história
como quem carrega uma cruz.
Até que um dia exausto
caiu sob o peso do lenho
que o esmagou.

Sua aldeia

Maurício de Macedo

"Se queres ser universal..."
Leon Tolstói


Não fale com amargura
nem fale com adulação.
Não deixe sua aldeia
morder sua língua
nem lamber seu coração.

É preciso sentir compaixão.
Estenda sua mão
para que ela se levante,
sem deixar que ela puxe
você para o chão.

Fantasmas

Maurício de Macedo

Converso com fantasmas!
exclamou afetado o poetastro,
ainda que os fantasmas
nunca o tivessem escutado.

Avessos a arroubos etéreos,
é das coisas da terra
que os fantasmas gostam
- os pés feridos
na longa estrada,
cinzas na cabeça,
crepúsculo nos olhos...
Têm ouvidos sensíveis
- para chegar até eles
as palavras precisam
atravessar o silêncio.

Independência

Maurício de Macedo

O príncipe gritou, dizem,
às margens do riacho.
Historiadores cascavilham
 determinantes econômicos
 e sociais.
E os políticos auferem  lucros
- cada um puxando a brasa
para a sardinha da narrativa
que lhe convém.

O menino acha ótimo
porque é feriado
e não tem aula.
E sonha em ter um cavalo
tão bonito como aquele
de D.Pedro.

9/05/2019

Furando a fila

Maurício de Macedo

Passaram na frente do poeta
Jorge de Lima
e do antropólogo Arthur Ramos...
(Já estão furando a fila.)
Dizem que Graciliano,
Aurélio e Nise,
indignados,
já estariam se preparando
para deixar a vida de estátua.

Fé pública

Maurício de Macedo

Recebeu a notificação
- Polícia Rodoviária Federal.
(Nunca trafegara pela via
que citava o comunicado.)
Recorreu inutilmente
contra a acusação da fé pública
e pagou a multa indignado.

Outras notificações  chegaram
pela mesma infração
e com o mesmo resultado.
Inquestionável a fé pública
- depois de tanta multa
o documento de habilitação
foi cancelado.

Quem mandou inventar
de ser poeta...
(Não sabe que a poesia
é o maior crime contra o Estado?!)
Perder a habilitação
era só o começo.
Que ficasse preparado...

Sensitiva

Maurício de Macedo

A cordelista
- versinhos tão ingênuos -
caiu no chão  batendo-se
e revirando os olhinhos
quando o poeta adentrou
- sozinho e discreto -
o saguão da bienal literária.
(Porque ele falava
o que ela não sabia falar
e porque ele dizia
o que ela não conseguia entender,
um silêncio mordia a sua língua
e enterrava as garras aduncas
nas fibras dos seus músculos.)

O corpo protestava
- a palavra não conseguia.
(Ainda que adulada
pela Secretaria de Cultura,
havia uma distinção
que ela jamais alcançaria.)
Quando se recuperou
disse que era sensitiva
e que seu corpo reagira
(Gira, Gira)
à passagem de um espírito
do mal.

Um homem só

Maurício de Macedo

Atiçando o faro do predador,
há uma ferida invisível
num homem só.

O silêncio e o retraimento
não bastam para proteger
um homem só.

Mediocridade galardoada

Maurício de Macedo

Disse que era Shakespeare
o autor de "Édipo-rei".
E mentiu despreocupada
ao dizer que tinha lido
"Os irmãos Karamázov".

Enchia a boca de conceitos
memorizados na pós-graduação
feito criança chupando balas
de açúcar.
(O que eram Sófocles,
Shakespeare e Dostoiévski,
diante do guru adotado
na pós-graduação?!)

Rei Momo

Maurício de Macedo

Fincou o cetro de bobo da corte
no terreiro das letras da cidade
- Rei Momo primeiro e único.

Alguém já falou que os bufões
são os piores tiranos.
(A vaidade é um terreno
minado.)
Acautelai-vos, portanto,
ingênuos,
vós que pretendei penetrar
no terreiro das letras da cidade
onde já fincou o cetro
o Rei Momo
primeiro e único.