12/23/2013

Espera

Maurício de Macedo

Elas viriam.
E haveriam de pousar,
descendo em círculos
com o clap-clap de suas asas
- penas líricas
manchadas de sangue
e terra.

Nas mãos abertas,

grãos de silêncio.

9/30/2013

No pé do ouvido

(Em memória dos músicos Luiz Gonzaga e Dominguinhos)

Maurício de Macedo

Os olhos não sabiam.
Só o ouvido
- o silêncio,
os movimentos respiratórios,
as batidas do coração.

No pé do ouvido,
as palavras constroem um favo
- flores do silêncio,
dos movimentos respiratórios,
das batidas do coração.

O ouvido sabia sem ver.
O ouvido lia o silêncio,
os movimentos respiratórios,
as batidas do coração.
E os olhos passaram a ouvir.

No pé do ouvido,
enxame agitando-se no favo,
o mel escorrendo
do favo para a mão,
da mão para a língua
- sílabas do silêncio,
dos movimentos respiratórios,

das batidas do coração.

8/17/2013

A convidada

Maurício Macedo

Presença assídua aos encontros
da sociedade de escritores,
às solenidades de posse
da academia de letras,
a puta velha ataviada
- ruge, batom,
bijuterias.
O desembargador,
o médico,
o político
se desfaziam em salamaleques,

beijando a mão da marafona.

4/01/2013

Sexta-feira da paixão


Maurício de Macedo

Hoje eu vi Jesus
- jovem franzino, mulato,
miserável,
apanhando dos policiais.

Hoje eu vi Jesus
- assustado, tremendo,
pedindo Pelo amor de Deus,
autoridade!
Pelo amor de Deus!

Hoje eu vi.
Da janela do apartamento,
me indignei,
mas não fiz nada
- não desci,
não me insurgi
contra a violência covarde
dos policiais,
não denunciei.

Os policiais bateram,
chamaram de ladrão,
de filho da puta.
O jovem franzino,
mulato, miserável
tremeu apavorado
Pelo amor de Deus,
autoridade!
Pelo amor de Deus!

Eu vi.
Eu ouvi.
Me indignei,
mas não fiz nada.
O jovem era miserável,
mulato...
Talvez fosse muito
me indignar.
Talvez me indignar
tenha sido
a única maneira de ver Jesus.