12/12/2017

Ciranda

Maurício de Macedo

Pensou que poderia
escrever um conto,
mas a poesia lhe sussurrou
no ouvido
- Não percebe
que as palavras gostam de dançar
na ciranda que você canta?!
E que girando
de mãos dadas nesta ciranda
elas se põem a cantar?!

São gagas
as palavras que se aproximam
de você.
Só cantando é que elas conseguem

falar.

A fechadura

Maurício de Macedo

Já se falava da mãe de Zumbi,
da sogra de Zumbi...
Os vivos vestiam os mortos
(criavam os mortos)
com as fantasias
que lhes fossem convenientes.
Em cima da história
outras histórias
como quem faz enxertos
nas plantas.

Na cidadezinha,
aproveitando-se do fluxo turístico
eventual,
o malandro criava o ponto de cultura
onde se exibia a fechadura da porta
da casa de Zumbi.
Era só o início.
Outras relíquias viriam
- da mãe de Zumbi,

da sogra de Zumbi...

Poetas

Maurício de Macedo

"condemned in their pit
to weep at their own pages"
Derek Walcott ("Omeros")

São poucos
os que Omeros segura
para não serem arrastados
pelo sorvedouro
dos espelhinhos de feira

que trazem nas mãos.

Literatura na cidade

Maurício de Macedo

A cumplicidade dos elogios
inter-pares
e a ignorância afetada
a respeito do estranho
que incomoda.

Entre a teia de lisonja
e o silêncio amargo
construía-se a literatura
na cidade.

Mundo, mundo,
vasto mundo...
Maior do que o mundo,
a cidade devorava-lhes

 o coração.