5/07/2017

Na catraca

Maurício de Macedo

Quando não tinha dinheiro
para pagar a passagem,
passava pela catraca do ônibus
sem pagar,
enganando o cobrador.

Quando subiu na vida,
criou sua imagem no blog
- mentindo e omitindo -
para passar na catraca da História.
Não esquecera a arte que praticava

quando pegava o ônibus muitos anos atrás.

Bruxa

Maurício de Macedo

Para virar bruxa...
basta ser diferente e só
- basta não pertencer,
basta não frequentar.
É uma questão de tempo,
apenas.
E o infeliz não perde por esperar.
Não basta permanecer calado
e quietinho no seu lugar.
No seu silêncio há uma palavra,
há um grito,
a se apedrejar.
E um buraco sem fundo
no desejo
de quem apanha a pedra

para atirar.

Fugitivas

Maurício de Macedo

Palavras que você pronunciava
fugiram com você.
Inútil procurá-las nos dicionários.
(Deixaram irmãs-gêmeas no seu lugar.)

Algumas palavras, no entanto,
dormiam quando você partiu
(você esqueceu de acordá-las).
E ficaram perdidas
num canto qualquer da casa,
da rua,
da cidade,
do jardim...

Encontro, vez por outra,
uma delas
e lhe peço que fale do mundo
e de você.
Mas ela apenas sorri
muda
para mim.
Longe de você

desaprenderam a falar.

O lobo

Maurício de Macedo

Coincidência, talvez,
(falta de sorte)
ou quem sabe uma fragilidade
(coisa de bicho não adaptado
à seleção natural)...
O grande medo sempre veio
do Estado e de seus agentes.
Um lobo espreitando
na escuridão da noite
- olhos de fogo, dentes arreganhados...

Um inquietação dentro dele
parecia despertar o faro do predador.
Uma inquietação dentro dele,
independente do tempo e do lugar.
E sempre lhe parecia provisório
o abrigo que encontrava

no labirinto silencioso das palavras.