3/01/2009

A Procissão

Encantada com a missa
na capela do engenho
onde não podia entrar,
A Negra Fulô fugiu do poema,
atravessou o tempo,
mais uma vez,
e entrou de mansinho,
no dia 27 de agosto,
na Catedral de Maceió.
Subiu no altar,
enquanto Nossa Senhora dormia,
tirou devagarinho
o manto e a coroa da santa
e se escondeu na sacristia.

Quando Nossa Senhora acordou,
ficou assustada
com o que sucedeu
e desceu à procura
do que era seu.
E quando a santa se afastou,
Fulô subiu no altar,
cobriu-se com o manto,
colocou na fronte a coroa,
assumindo pose de santo.
Mal a negra no altar se postou,
foram chegando à igreja
bispo, padres e beatas
para colocar a santa no andor.
Nossa Senhora se escondeu
(Não podia se apresentar
naquela situação).
E foi assim que a negra
foi levada em procissão.

O cortejo saiu pelas ruas
conduzindo a Negra Fulô.
Sobre a cor escura da santa
alguém comentou,
mas a fé relevou o detalhe
(Foi uma ilusão que passou).
E quando o menino disse à mãe
que Nossa Senhora era preta,
levou um cocorote e se calou.

Fulô ia feliz,
conduzi da pelo clero,
prefeito e governador,
majestosa sobre a massa,
carregando o seu andor.
Porém a negra
a emoção não controlou.
Lágrimas descerem dos olhos,
um sorriso de beatitude
em seu rosto se esboçou.
- A santa está chorando!
alguém gritou.
- Está sorrindo também!

outro arrematou.
E foi um Deus nos acuda
no meio da multidão.
Todos queriam ver
o choro e o riso da "santa" na procissão.

O andor balançava,
cai, não cai...
A negra despertou do torpor,
deu um pinote para a chão
e as pessoas gritaram:
- A santa pulou! A santa pulou!
Fulô ficou assustada
e desatou a correr
e o povo corria atrás dela,
querendo a "santa" reter.

Nossa Senhora,
que acompanhava aflita
no meio da multidão,
teve que recorrer ao Filho,
pedindo- Lhe intervenção.
Ergueu os olhos para o céu,
sobre o povo estendeu a mão.
O tempo voltou de repente;
tudo não passou de um sonho,
apenas uma ilusão.

Fulô se escondeu na igreja,
devolveu manto e coroa,
à santa pediu clemência.
Nossa Senhora sorriu,
dizendo com indulgência:
- Vai, Fulô, volta para o poema.
Reza dez Ave-Marias e dez Pai-Nossos
como penitência.

A negra voltou para o poema,
fez a penitência
e deitou-se sobre o velho saco de açúcar
no chão,
enquanto em Maceió as pessoas comentavam
sobre uma epidemia de sonho
que todo mundo sonhou
que Nossa Senhora era preta,
que chorou na procissão
e deu um pinote do andor.

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