7/28/2018

Futebol

Maurício de Macedo

No estádio lotado
deslizando sobre o gramado
de um lado para o outro
a onda que vai e vem
- o balé que magnetiza o mundo.
Sonho dos meninos pobres 
do Brasil.
Brincadeira maior
de todos os meninos.

Menos brasileiro,
menos menino
- há deformidade que não se vê
e que faz a gente seguir


a vida inteira claudicando.

Fazendeiro do mar

Maurício de Macedo

O sol gritando o seu grito de sangue
anunciando a manhã
As pegadas na areia
que o leque de espumas vem apagar
O mistério soprando na brisa
E esse lembrar pelo avesso,
esse deslembrar
Ah, deixai-me, Drummond,
ser fazendeiro do mar

A cabeleira da musa
agitando-se no sargaço
A orelha do tempo
auscultando no búzio
A taça do silêncio
erguendo-se no coral
Os cavalos desembestados
nos vagalhões contra o arrecife
- são versos seus cavaleiros
gemendo no ar
Ah, deixai-me, Drummond,
ser fazendeiro do mar

É palavra o peixinho
mordiscando o peito do nadador
E o movimento dos braços
marcando o compasso na água,
puxando a canção devagar
Ah, deixai-me, Drummond,
ser fazendeiro do mar

É o vai-e-vem das ondas
onde a memória vem descansar
E as pegadas na areia 
que o leque de espumas vem apagar
Ah, deixai-me, Drummond,
ser fazendeiro do mar

Elis Regina

Maurício de Macedo

Liguei a televisão ontem,
tarde da noite
- ela estava cantando...
Imaginem que disseram
ser uma gravação antiga
aquela cena tão recente.

Só falta agora
que ela seja apresentada
septuagenária
num programa  ao vivo
(ela que só tem trinta e seis anos).

(Esse povo pensa
que a gente é idiota,
não é mesmo?!)

Desassossego

Maurício de Macedo

O político faz do morto
seu boneco de ventríloquo
e o conduz ao seu palanque.
O historiador o convida
para atuar numa peça de teatro,
num papel concebido 
especialmente para ele.
Interesses mais prosaicos,
a família briga na Justiça
por seus bens materiais.

Os vivos não deixam o morto
descansar em paz.