2/09/2010

Blog do Marcelo Coelho critica Maurício

O Blog do Marcelo Coelho (http://marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br/), na Folha do dia 06/02/2010, publicou a seguinte crítica:



Álbum de família

Maurício de Macedo já publicou dezoito livros de poesia, diz a orelha de Palavras Tortas (ed. 7 Letras), o primeiro dele que leio. Vejo qualidades em seus versos –especialmente o dom para a metáfora surpreendente e súbita. Bem no começo do livro, por exemplo, o autor, preso ao dia a dia de Maceió, fala a respeito da própria poesia:

Ainda que ela não alce voos cosmopolitas
e se debata no círculo doméstico
dos pequenos dramas do cotidiano,
a gente faz.
A gente precisa e a gente faz
feito um imigrante ilegal
atravessando a fronteira.


A imagem dos dois últimos versos (não ficaria melhor se fosse um verso só?), com sua marca de atualidade e sua concretude, absolve o tom de quase clichê que se pode notar em “pequenos dramas do cotidiano” e “se debata no círculo doméstico”.

Uma boa limpeza dos clichês, além de mais desapego à influência de Drummond, ajudaria a revelar o poeta que Maurício de Macedo certamente é. Vemos Drummond demais, e um bocado diluído, num poema como este:

Não faça a poesia
que glorifique o santo
ou o herói.
(É predadora a espécie.)
Não faça a poesia
que veja o homem de longe
na abstração coletiva,
eufórica,
dos amigos do povo.

As palavras são velhas e sábias.
Não lhes ofereça falsos brilhantes.
Faça poesia, simplesmente.
É tudo o que elas pedem.

E a quantidade de lugares-comuns é considerável:

Escreve-se o poema
como quem escreve uma carta
e coloca a carta numa garrafa
e atira a garrafa ao mar.

Sem contar os clichês (“gelar de pavor”, “cortina de silêncio”, “o tempo urge”) e as palavras-clichê (“périplo”, ”lembranças que povoam meu silêncio”, “o poder”).

Esse “o poder” (no sentido de “O Poder”, “os Poderosos”) aparece num poema que, apesar do termo, diz uma coisa raramente ouvida atualmente:

O poder namora o hip-hop
e o cordel
como o agenciador de prostitutas
seduzindo meninas pobres
da periferia e do interior.

De fato, tornou-se normalíssimo hoje em dia criticar o populismo (estético e político), mas ninguém se questiona muito a respeito do favorecimento paternalista que se dedica à “literatura marginal”, ou da periferia...

Eis outro poema que trata de tema atual, e pouco explorado em verso:

Você sabe por que eu só gosto
de quem não gosta de mim.
Você sabe por que só procuro
rapazes que me molestam
e que me deixam sozinha
depois.
Você sabe por que minto
com a maior cara-lisa.
Você sabe por que tomo
tanto remédio para dormir.
Você sabe por que fico
tão aflita, às vezes,
piscando os olhos,
gaguejando,
querendo mudar de assunto,
você sabe por que, meu pai,
você sabe por que.

Verdade que o título (“Molestada”) abre demais o jogo do poema. Termino com este preciso e verdadeiro “Álbum de família”:

Nenhum abraço,
nenhum sorriso
--braços arriados,
olhares perdidos.

Quem vestiu
com a camisa-de-força da tristeza
aqueles corpos?
Quem colocou naqueles olhos
a luz de uma ausência infinita?
Quem fez descer cortinas de silêncio
entre as solidões perfiladas?
(...)

Quem cortou as mãos,
as línguas,
quem cegou aqueles seres
e os fincou num abandono mudo,
à margem do tempo,
como se fossem espantalhos?

2 comentários:

  1. caro Maurício, fiquei muito feliz de ver esse blog, sou fã da sua poesia!
    Mas dá uma espiada nos meus fragmentos! http://sebagerock.blogspot.com/
    abraço,
    Sebage (aka Jorge Barboza)

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  2. Caro Maurício, aprecio seus versos. Sou seu leitor assíduo. Veja também o meu blog: www.blogdoetevaldo.blogspot.com. Grande abraço!

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