3/01/2009

O Seqüestro

Indignada por ter levado
couro de feitor,
a Negra Fulô escapou da senzala,
ludibriando tempo e lugar,
e foi procurar trabalho,
muitos anos depois,
na cidade de Maceió.
Como não conseguiu emprego,
a negra foi disputar,
na avenida Duque de Caxias,
com prostitutas e travestis
um ponto no trottoir.

Maceió fora pacificada
por um interventor federal
que varrera da cena urbana
greves de operários,
passeatas de estudantes
e os excessos do Carnaval.
De um rebenque de cabo de prata
não largava o interventor.
Tantas cidades no Brasil já domara
que era chamado de Pacificador.

E Maceió vivia a ordem
sob a égide do rebenque do Pacificador,
não fossem alguns eventos estranhos
que já causavam horror.
Vez por outra aparecia,
jogado num matagal,
com requintes da violência mais bruta,
o corpo de um travesti
ou de uma prostituta.

Certa noite, já muito tarde,
quando fazia o trottoir,
Fulô foi abordada por um carro escuro
e convidada pra entrar.
Mal entrou no veículo,
levou uma coronhada
enquanto o carro seguiu rápido
levando a negra desmaiada.

Quando Fulô acordou,
estava amarrada,
numa cama velha,
numa sala escura fechada...
Até que de repente
a luz se acendeu
e por uma porta aberta
um homem apareceu.
Trazia na mão um rebenque
de cabo de prata
e foi logo batendo na negra,
enquanto dizia:
- Puta, a gente mata!
Batia à vontade,
parecia não cansar.
A negra gemia,
o corpo sangrava,
doía-Ihe a carne,
faltava-lhe o ar.
De repente, porém,
o homem parou;
dirigiu-se à porta
e bem alto chamou:
- Podem levá-Ia.
Por aqui, a festa acabou!

Fulô foi levada
num carro preto:
Dois homens e um revólver
apontado para o peito.
Súbito, porém,
dois faróis na contra-mão,
um choque, o carro virado
e os dois homens jaziam no chão.
Fulô saiu do carro
e seguiu o caminho do poema sem olhar para trás.
Nos versos, pelo menos,
poderia sonhar com o dia
em que a avenida Duque de Caxias seria chamada avenida da Paz.

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