3/01/2009

A Musa

Por causa de uma paixão súbita
pelo filho mais velho do senhor,
a Negra Fulô fugiu do poema
e foi trabalhar em outra época
na cidade de Maceió
para esquecer sua dor.

Foi trabalhar na casa de seu Gráci,
que ria pouco
e gostava de fumar,
que lia a noite toda

e por vezes escrevia sem parar.

Apesar de sisudo,
era seu Gráci um bom patrão.
Assinara a carteira da negra
e pedia à esposa
que a orientasse na educação.

Tinha poucos amigos o patrão.
Entre eles, o Doutor Jorge,
médico da Santa Casa
que gostava de versejar
e que não tirava os olhos da negra
quando vinha à casa de seu Gráci
para o amigo visitar.

Como Fulô quase sempre
correspondia ao seu olhar,
Doutor Jorge passou a esperá-Ia
na esquina por onde a negra costumava passar.
E abria a porta do carro.
convidando-a para passear.

A negra recusava o apelo
– que no fundo também era seu –
­até que uma noite,
depois de muita insistência,
a Negra Fulô cedeu.

A partir desse dia,
Fulô e Doutor Jorge passaram a namorar,
em lugares recatados
na lagoa ou à beira-mar,
com direito a final de noite
num quarto de motel
ou na praia sob o luar.
E do amor já surgiam
novas inspirações:
da veia poética do médico
brotavam para a negra
versos e canções.

Telefonemas anônimos, porém,
a negra passou a receber,
em que uma voz feminina dizia
que em breve ela ia morrer.
Dizia que tivesse vergonha
e que deixasse o doutor,
que parasse de fazer macumba
para prender seu amor.
(Foi então que a negra pensou
que uma simples empregadinha
não tinha nenhum futuro
tendo um caso com um doutor.)

Certa noite,
quando o amante dormia,
depois dos embates do amor,
a negra se levantou de mansinho,
beijou de leve a testa do médico
e lhe falou:
- Adeus, Jorge,
que já parto para esquecer minha dor.
Quem sabe um dia eu veja
os versos do seu amor?!

E saindo pela janela
foi em busca do poema
onde o poeta a criou,
como quem desaparece devagarinho
sob um caramanchão
de um jasmineiro em flor.

Doutor Jorge não viu mais a negra
depois que acordou.
E comenta-se em Maceió
que durante vários meses
macambúzio ele andou,
pronunciando baixinho:
- Essa negra Fulô,
Essa negra Fulô...

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