3/01/2009

A Epidemia

Esgotada pelo trabalho na casa-grande
e pelos abusos da sinhá
a Negra Fulô teve uma crise de nervos
e saiu correndo porta afora do poema
para ser doida em Maceió,
no hospital Portugal Ramalho,
muito tempo depois.

Foi lá que a negra conheceu
o Doutor Arthur e a Doutora Nise,
que não receitavam drogas nem choque
- condutas de horror -,
mas distribuíam tinta e pincel
para os doidos
e faziam terapias
com batuques do xangô.

Sob o cuidado dos médicos,
a Negra Fulô e os internos
passavam os dias a brincar
entre delírios e pinturas,
sessões de psicoterapia
ou dançando com os orixás...
Até que algo estranho
deu pra acontecer:
os pacientes recusavam
todo tipo de alimento
e começavam a morrer.

Os médicos se reuniram
para discutir o problema,
consultando tratados,
analisando o dilema.
Não chegaram, no entanto,
a nenhuma conclusão.
Então o governo informou
sobre uma estranha epidemia
que estava causando aflição,
a matar poetas e loucos,
seres não adaptados
aos reclamos da modernidade
de nossa civilização.
Poetas e loucos seriam
os dinossauros da época atual,
animais que não resistiram
aos processos da seleção natural.

Emagreciam a olhos vistos
os doidos no hospital,
morrendo nos braços dos médicos
que não podiam deter o mal.
Não vislumbrando saída
para a terrível situação,
os médicos se dirigiram
ao quarto da Negra Fulô.
E enquanto a Doutora mal sustentava as lágrimas,
o Doutor Arthur lhe falou:
- Fulô, minha filha,
você é a única salvação.
Fuja enquanto é tempo.
Volte para o poema
e leve consigo os doidos
sobreviventes da maldição.

A negra se levantou
fraquinha naquele dia,
beijou as mãos dos dois médicos
e foi embora recolhendo
os doidos que podia.
Fulô foi seguindo com os doidos
para o mundo da poesia
e em cada poema que encontrava
um doido a negra escondia,
na esperança de que pudessem
retomar com vida e fantasia
para preservar a doidice
na terra um dia.

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