3/01/2009

A cidadela

A Negra Fulô andava enjoada
dos serviços de mucama
e das desconfianças da sinhá.
Foi então que fugiu do engenho,
escorregando por entre duas estrofes
para uma outra época,
muito tempo depois.
E foi dançar folguedos
na cidade de Maceió.

Desenvolta em todos eles
- seja na dança ou no canto -,
no Pastoril, no Guerreiro
ou no Côco

a negra era um encanto.
E a tal ponto ficou
o povo entusiasmado
que as autoridades a nomearam
Presidente da Comissão
de Folclore do Estado.

Foi ocupando esse cargo
que recebeu a visita de Conselheiro da Silva,
folclorista do Ceará,
que percorria o Nordeste,
organizando um movimento
em defesa da cultura popular.
Sensibilizada por sua exortação,
a negra convocou
todos os grupos de folclore
para uma ampla discussão.
E numa assembléia gigante
representantes de todo o estado
decidiram fundar no sertão
uma cidade sagrada
do folclore marginalizado.
De ônibus ou a cavalo,
a pé ou de caminhão,
caravanas se dirigiram
para o alto sertão.
Liderados por Conselheiro e Fulô,
fundaram a cidade da dança,
do canto e do louvor.

E logo foram atraídos
pelo encanto da cidade
moradores da região
que nunca viram na terra
tamanha felicidade.
Pouco a pouco as fazendas ficaram
sem os braços do trabalhador.
Todos queriam viver
na cidade de Fulô.

Diante do exemplo nefasto,
o governo decidiu intervir,
enviando tropas do estado
para o perigo coibir.
Mas Fulô e Conselheiro
organizaram a resistência.
Com pelotões de Guerreiros,
Marujos e Pastorinhas,
enfrentaram o assalto das tropas
e a cidade venceu sozinha.

Se era perigoso o exemplo,
a derrota era demais
e o Governo decidiu intervir
com tropas federais.
Soldados e tanques de guerra
levantavam a poeira do chão
e aviões de combate
cortavam o céu do sertão.

Lutou como podia
a rudimentar alegria
contra a potência bélica
da tecnologia.

Mas todo o heroísmo não bastou
para vencer a sanha do agressor.
Caíam Pastoras e Marinheiros...
tragado por uma bomba
morreu Conselheiro.

Fulô percebeu
que era inútil lutar
quando os corpos dos mortos
cobriam o lugar.
Deu um pinote até Maceió
e o corpete da Diana entregou
à mulher maluca que dançava nas ruas
tendo no cabelo uma flor.
Deu outro pinote até Marechal
e no cais de Santa Madalena entregou
a espada do Guerreiro
a um velho pescador.
Deu, por fim, um pinote maior
que o poema alcançou
e deitou-se cansada,
coberta de cinza e poeira,
ao lado do senhor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário