3/01/2009

Apresentação

AS DESVENTURAS DA NEGRA FULÔ

Arriete Vilela (*)

Mauricio Macedo é um leitor atento, disciplinado - e compulsivo. Tem dois livros editados - Cinzel da Língua e Sínteses de Sombra - e mais quatro prontos, à espera de publicação.
Este - As aventuras da Negra Fulô - é um texto divertido, aparentemente leve e descompromissado, e bom para uma leitura oral ou dramatizada. À primeira vista, parece uma brincadeira cômica, pois o autor "brinca" com a Negra Fulô, famosa personagem fictícia do poeta alagoano Jorge de Lima, e com algumas personalidades reconhecidamente do domínio público.
Excetuando o Conselheiro Silva ("Mas todo o heroísmo não bastou! para vencer a sanha do agressor/ [...] Tragado por uma bomba,/ morreu Conselheiro"), Joaquim José ("Deputado das Minas Gerais/ representava a oposição/ e falava com voz mansa/ sobre trabalho, progresso e paz"), a Dra. Nise e o Dr. Artur ("que não receitavam drogas nem choque/ - condutas de horror -/ mas distribuíam tinta e pincel/ para os doidos") e Nossa Senhora ("Vai, Fulô, volta para o poema! Reza dez ave-marias e dez pai-nossos/ como penitência"), os demais personagens são tomados risíveis, burlescos, caricatos, pois à história real de cada um deles é acrescido um fato que lhes relativiza o caráter heróico conhecido oficialmente.
O texto, portanto, aparentemente cômico - ou justo por isso -, é crítico, irônico, pertinente: traz à tona, revisitadas e atualizadas, questões muito sérias que compõem a história da sociedade, como a cegueira do fanatismo religioso ("Todos queriam ver/ o choro e o riso da 'santa' na procissão"); o descaso e a conseqüente marginalização do autêntico folclore ("decidiram fundar no sertão/ uma cidade sagrada/ do folclore marginalizado"); a brutal violência contra travestis e prostitutas ("Vez por outra aparecia,/ jogado num matagal,/ com requintes de violência mais bruta,/ o corpo de um travesti/ ou de uma prostituta"); o abuso de poder, seja por desmandos de governos incompetentes e ditadores ("De um rebenque de cabo de prata/ não largava o interventor [...] E Maceió vivia a ordem/ sob a égide do rebenque do Pacificador/ não fossem alguns eventos estranhos/ que já causavam horror"), seja por questões injustas e pessoais ("[...] provocou na Primeira Dama! um ciúme muito grande./ E a Primeira Dama convocou/ o Secretário de Segurança para dar cabo de Fulô. [...] Furioso, o Secretário deu um tiro/ no peito da Negra Fulô.“), e o desvio de verbas para campanhas políticas, atividade paralela ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro ("Era um apartamento muito grande/ o de seu Paulo Calabar [...] Financiara até campanha/ de deputado federal [...] Por vezes vinham alguns homens/ entregar a seu Calabar/ uns pacotes bem fechados [...] E vinham depois outros homens/ apanhar os pacotes/ que guardara seu Calabar").
A sensualidade da Negra Fulô é um elemento reiteradamente ressaltado em todos os poemas e suas façanhas atestam o exercício da sedução mística, sendo, no entanto, devastadoras as conseqüências do seu don juanismo: suas aventuras amorosas finalizam sempre em trágicas desventuras (Passional, A conexão, O seqüestro, A lira, Diana). Como Don Juan, que dispunha de um cavalo veloz com o qual fugia e partia par a próxima conquista, a Negra Fulô, de Maurício Macedo, igualmente parte (ou foge) em "situações-limite" e se aninha no poema protetor de Jorge de Lima, até, naturalmente, a próxima aventura - ou, se preferirmos, até a próxima desventura.
Aliás, o próprio Jorge de Lima não escapa à sedução da Negra Fulô ("Fulô e o Dr. Jorge passaram a namorar,/ em lugares recatados/ na lagoa ou à beira-mar/ com direito a final de noite/ num quarto de motel ou na praia sob o luar.”). Um tórrido, embora efêmero, caso de amor que, segundo Maurício Macedo, antecede a criação do poema: ("Adeus, Jorge,/ que já parto para esquecer minha dor./ Quem sabe um dia eu veja/ os versos do seu amor?!").
O último poema - uma metáfora da própria vida - registra a única redenção possível: a poesia, através da qual os "seres não adaptados/ aos reclamos da modernidade" poderão salvar-se e reinventar o mundo.
O livro de Maurício Macedo presta-se a interpretações várias e muito mais detalhadas. Com a palavra, pois, os estudiosos da crítica literária.
* Arriete Vilela é escritora

Um comentário:

  1. Gostaria de saber como adquirir o seu livro "A Água e a pedra". Por opurtuno, sugiro ainda que colocasse o índice de poemas de cada livro publicado. Obrigado: Frank

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